Entrevista: Prof. Bruno Seligmann participa de programa na UniFM

Logo no começo da manhã dessa terça-feira, o professor Bruno Seligmann de Menezes, mestre em Ciências Criminais e professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, participou do programa Bom Dia Universidade, da UniFM 107.9, emissora da Universidade Federal de Santa Maria. Apresentado pela jornalista Carine Prevedello, o assunto da conversa foi o cenário em que se encontra o ex-presidente Lula, que teve recurso negado ontem no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Você pode assistir a entrevista em vídeo, que também foi transmitida ao vivo para a página do Facebook da emissora.

A defesa do ex-presidente até tentou virar o julgamento, mas a negativa do TRF4 ante os embargos propostos encaminhou a decisão pela prisão ou não de Lula para o próximo dia 4 de abril, quando o Supremo Tribunal Federal julgará o pedido de habeas corpus.

“Efetivamente o processo teve ontem o fim da jurisdição de segundo grau. Nós costumamos dividir, academicamente, em quatro níveis: primeiro grau, em Curitiba; segundo grau, que foi ontem e depois nos tribunais superiores, STJ e STF. Ontem, esgotou-se a jurisdição no âmbito do Tribunal Regional Federal. Os embargos foram rejeitados e se manteve o aumento de pena, decidido com unanimidade pelos desembargadores, de modo que não seja possível novo recurso nessa instância” – explicou o professor em sua fala de abertura.

Em outra época, a prisão de Lula teria que aguardar o trânsito em julgado da ação, quando não há outra instância para recorrer – desde 2009 o STF seguia essa linha. Com a Lava Jato, esse cenário mudou.

“Quando o país passa por uma grave crise social, o primeiro ponto de mudança é o endurecimento da parte criminal. Nós vivemos num país que vêm desde a crise econômica passando por uma série de problemas sociais. Por isso, o Supremo mudou seu entendimento, passando uma mensagem de que estão acabando com a impunidade, prendendo pessoas a partir da decisão de segunda instância” – relata.

Essa oscilação de jurisprudência entre as decisões é um problema na visão do professor, pois viola o texto expresso da Constituição Federal, em seu artigo 5º.

“O argumento dos ministros na época foi de que o Brasil é um dos únicos países do mundo onde as pessoas respondem em liberdade. É verdade. Mas quando se dá a liberdade para o tribunal de segunda instância realizar a prisão, se cria um problema: aumenta a população carcerária, entram mais pessoas e outras não saem do sistema. Também estamos retirando dessas pessoas que já estão cumprindo pena a possibilidade de discutirem ilegalidades no seu processo. Daqui a alguns anos, quando o STJ se manifestar, teremos um grande problema, pois não foi retirado dessas pessoas o direito de recorrer – só que ela vai recorrer presa. E aí não tem como reparar esse tempo dentro da cadeia, o Estado não vai reparar”.

Questionado pela apresentadora sobre a atuação da Lava Jato, que faz uso frequente das prisões preventivas, o professor percebe como uma maneira própria da operação atuar.

“A prisão cautelar se dá quando há risco de o acusado destruir provas, fugir… A Lava Jato implementou uma metodologia muito própria de trabalho, diferente do que tínhamos no processo penal. Não levanto qualquer suspeita quanto à honestidade dos juízes e procuradores que conduzem o processo – são pessoas de excelência na área. Mas estão aplicando um modelo de utilitarismo penal, prendendo para mostrar resultado, pensando na reação popular. Não é para isso que se usa a prisão cautelar. Um juiz não precisa e não pode ouvir a voz das ruas, pois ele não é eleito via voto. Ele tem que ouvir a Constituição, é com isso que ele julga, mesmo que isso desagrade a muitas pessoas” – discorre Seligmann.

Como exemplo, o professor Bruno trouxe o caso do ex-presidente Fernando Collor de Melo, absolvido no STF à contragosto das ruas. Em seu argumento, o professor remete à outra época, onde não havia tanta pressão popular e um debate inflamado nas redes sociais, o qual ele caracteriza como torcida, semelhante ao futebol – uns torcem para o “time” que pede a prisão de Lula, outros pela sua absolvição.

Em segundo momento da entrevista, a jornalista Carine Prevedello questiona sobre as eleições, quais possíveis cenários se desenharão nos próximos meses, antes da corrida presidencial.

“Certamente os advogados tentarão recursos ao STJ e STF, mas a questão do segundo grau já está definida. Se o supremo não conceder o habeas corpus, imediatamente o ex-presidente será preso. Se essa ordem for concedida, ele poderá ainda recorrer em algumas instâncias com seu direito de liberdade garantido. Entretanto, na questão eleitoral, segundo a lei da Ficha Limpa, condenados em segundo grau por colegiado são inelegíveis. Essa inelegibilidade não é declarada pelo tribunal de segunda instância e sim pelo juiz eleitoral na inscrição da candidatura. Então, nós vamos viver até o momento da inscrição da candidatura uma situação de incerteza, pois o juiz eleitoral pode emitir uma liminar autorizando o Lula a concorrer” – explica o professor.

O julgamento do habeas corpus, na visão de Seligmann, poderia ocorrer de forma menos polêmica e beneficiando outros brasileiros além do ex-presidente.

“Quanto à decisão do próximo dia 4 de abril, o Supremo poderia ter conduzido o caso de modo menos polêmico. Essa discussão, sobre a execução provisória da pena após o julgamento de segundo grau ou não, já é antiga. Existem ações declaratórias de constitucionalidade questionando isso, que já estão maduras para serem julgadas pelo Supremo. Se elas fossem julgadas ao invés do habeas corpus do ex-presidente, resolveria o caso do Lula e de milhares de brasileiros que se encontram na mesma situação, sem parecer que exista um favorecimento ao ex-presidente”.

Em relação ao processo, a decisão do TRF4 dificilmente será alterada, de acordo com o professor, o que mantém o ex-presidente Lula inelevígel para o pleito de 2018, salvo haja uma reviravolta no Superior Tribunal de Justiça.

“Pode acontecer de o STJ reconhecer alguma prova como ilícita, de modo que o processo todo seja anulado e a decisão desconstituída, uma bala de prata como nós advogados dizemos – aquele argumento que vai lá e derruba todo o processo. Mas até o momento o Lula é e se manterá inelegível. É muito improvável uma mudança, pois o STJ tem acompanhado as decisões da Lava Jato”.

Caso não seja concedido o habeas corpus no próximo dia quatro de abril, o ex-presidente Lula passaria os próximos 12 anos cumprindo pena, de acordo com a análise do professor.

“No cenário atual, ele cumpriria 12 anos de pena. Os primeiros dois em regime fechado, preso, como qualquer pessoa, com progressão ao semiaberto depois desse período inicial. No semiaberto, mais dois anos. Depois, uma nova progressão à liberdade condicional, onde a pessoa está na prática livre, trabalha, dorme em casa, mas periodicamente presta esclarecimentos sobre o que está fazendo etc.”.

Com sua prisão, ele perderia os direitos políticos, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Roussef.

 “Vai depender da sentença (a perda dos direitos políticos). Via de regra, ele ficaria o período da Ficha Limpa, mais oito anos. Podem ter nuances que aumentariam essa pena, mas não podemos afirmar no momento”.

Para encerrar a conversa, a apresentadora questionou Bruno sobre como ele vê o panorama político atual no Brasil.

“Não se pode negar o avanço que o país teve com relação a atuação da Lava Jato. Até poucos anos atrás não existiam esses processos e condenações de pessoas que ocupavam altos cargos do país por crimes de corrupção. Entretanto e talvez pelo enfraquecimento dos outros dois poderes (Legislativo e Executivo), com poucos políticos que estejam limpos, o Poder Judiciário ganhou muito protagonismo, o que na minha opinião é perigoso – ele tem que ser o fiel aplicador do que diz a Constituição. Nós estamos tendo juízes políticos, que jogam para a torcida, que estão se tornando protagonistas do país. Aí temos um problema. O juiz tem que ser um aplicador da lei e melhor que seja invisível. Avançamos e retrocedemos: temos uma sociedade em polvorosa com o debate, infelizmente raso sob um ponto de vista político. São como torcidas, como Gre-Nal, só mudam as bandeiras. Os políticos corruptos que não estão inelegíveis vão se eleger novamente, lembrem de 2013 – tivemos uma grande manifestação popular e no ano seguinte elegemos o pior Congresso da história. Não temos maturidade política. É um problema de falta de análise crítica, a maioria das pessoas são infantis nessas análises, o que implica em escolhas infantis. Não vejo com muita esperança uma mudança no quadro político do país” – finalizou o professor.

 

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